Texto de Tânia Braz, publicado na Revista Boca a Boca, no dia 18 de junho de 1999,  em Belo Horizonte.

ESTAMOS PERDENDO OS PARÂMETROS

A linha musical divulgada pela grande mídia de massa está onipotente e onipresente. Lota estádios, vende milhões, é a trilha sonora mais comum de qualquer evento social, onde senhoras sobre saltos no.9 e senhores engravatados rebolam alegremente a mesma coreografia de seus filhos nos churrascos da turma da universidade. Ricos e pobres, adultos e crianças, crentes e ateus, todos conhecem as letras e as melodias de cor e salteado. Isso seria uma verdadeira confraternização, não fosse um comportamento assim tão uniformizado,  a própria face da manipulação mental!

Concordo que o que alavanca o admirável poder de penetração dessa música são mesmo as profundas raízes que lhe deram origem e reconheço que ela tem significado como expressão cultural popular. Analisemos algumas de suas características mais comuns: um ritmo muito marcado, melodias de rápida assimilação - muitas vezes, convenhamos, derivadas de chavões recorrentes - tudo atrelado a uma poética elementar e a uma estética totalmente voltada para atender aos instintos básicos da natureza humana. Junte-se a essa receita o divertido “padrão tribal de comportamento” - que muito nos agrada, já que nos remete nostalgicamente a um tempo de ingenuidade, trazendo-nos uma espécie de alívio, uma alegria quase infantil -   e teremos então um eficaz paliativo social para a dura realidade da vida, um elixir milagroso capaz de manter-nos afastados do nosso próprio abismo interior.


Foto: Jaques Diogo

É bom pular, dançar, gritar, é bom fazer sexo e rir, mas é bom também estar calmo, questionar, sentir e caminhar em busca do querer mais íntimo e pessoal. Devemos então defender, acima de tudo, nossa prerrogativa humana básica, dada por Deus, que é PENSAR! Não é possível continuar permitindo que escolham por nós as nossas prioridades! Repito: Não quero apregoar falta de valor a nenhum tipo de música, quanto mais se é da “preferência popular”. Mas todo valor, antes da idolatria, deve ser bem pesado na balança do bom senso. Essa ênfase na projeção de certos tipos de produtos culturais, ou seja, a maneira com que eles são exaustivamente expostos ao público, provoca sério desalinhamento no que seria o natural campo de interesse das pessoas. Na verdade, elas nem sequer chegam a tomar conhecimento de muitos estilos musicais que, embora de mais lenta assimilação e ditos menos interessantes comercialmente, são exatamente aqueles que dariam resposta a anseios mais sutis de sua sensibilidade - portanto, com função cultural própria e relevante!

Por outro lado, existe uma tendência generalizada de nos entregarmos a argumentos que dizem que a música de natureza mais simples é a mais autêntica expressão do nosso povo e de nossas raízes. Isso tem levado importantes vertentes culturais do país, sendo mais alternativas, a se recolherem aos meandros da intelectualidade. É uma pena! Pois o cérebro humano trabalha a partir de parâmetros fornecidos.

Já não cabe mais o clamor por uma proteção prevista em lei para garantir um espaço de divulgação justo para o trabalho do artista independente, pois o tempo tem cuidado desse assunto, calma e sabiamente: para isso estão aí as televisões a cabo, as rádios comunitárias, a internet, etc.

                                                                                     

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